Da vulnerabilidade social à vulnerabilidade psíquica: Uma proposta de cuidado em saúde mental:
Entende-se que situações de vulnerabilidade social, contextos de violência e ambientes de conflito são fatores chave para o desencadear de problemas e dificuldades psicológicas.
A periferia, espaço diversas vezes excluído da agenda governamental, acaba sendo um terreno fértil para atividades prejudiciais a psique dessa faixa da população. Projetos são desenvolvidos visando afastar essas pessoas de situações de risco.
O objetivo da mesa é tratar dessas questões, visando ser um espaço para o pensar de projetos, soluções e melhorias no que concerne a vulnerabilidade social e suas consequências ao estado psicológico das pessoas mais vulnerareis.
A cada dez jovens que se suicidam no Brasil, seis são negros. O dado, de 2016, está em um levantamento do Ministério da Saúde e da UnB (Universidade de Brasília), divulgado no início de 2019.
Entre 2012 e 2016, a taxa de pessoas brancas entre 10 e 29 anos que tirou a própria vida permaneceu a mesma. Já entre jovens e adolescentes negros ela subiu, de 4,88 mortes para cada 100 mil, em 2012, para 5,88, quatro anos depois.
“Um dos grupos vulneráveis mais afetados pelo suicídio são os jovens e sobretudo os jovens negros, devido principalmente ao preconceito e à discriminação racial e ao racismo institucional”, afirma o estudo, baseado no Sistema de Informação sobre Mortalidade.
No Brasil, como nos Estados Unidos, há um movimento crescente que reivindica o reconhecimento do preconceito e da discriminação racial como importantes causadores de problemas psíquicos.
Trabalhos acadêmicos e profissionais da psicologia listam consequências como depressão, estresse e baixa autoestima entre os problemas sofridos por quem é vítima constante não só da agressão racista aberta, mas de uma estrutura social e cultural em que o negro frequentemente aparece inferiorizado e humilhado.
2) A saúde mental da população em situação de rua:
A população em situação de rua apresenta agravos à saúde física e mental e está exposta a condições que implicam em vulnerabilidades, mortalidade prematura, dificuldade de acesso a serviços e que requerem ações intersetoriais.
Os Consultórios na Rua, componentes da Atenção Básica em Saúde da Rede de Atenção Psicossocial, desempenham importante papel no cuidado a esse grupo.
Apesar dos limites apontados, o campo da saúde tem buscado alinhamento ao que é preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que propõe que se priorize o cuidado a grupos vulneráveis articulado ao exercício de direitos humanos e de cidadania.
No Brasil, a implementação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) busca superar a fragmentação das ações e serviços de saúde e ampliar os serviços para o acolhimento das pessoas em vulnerabilidade.
Reconhece a necessidade de desenvolver ações dirigidas à população em situação de rua, que considerem suas especificidades e contemplem a oferta de cuidados adequados em saúde mental.
3) Manicômios judiciários, justiça e saúde mental:
Os hospitais de custódia brasileiros são marcados por uma lógica de exclusão e segregação social.
Indivíduos considerados inimputáveis ou semi-imputáveis são destinados a esses espaços com o intuito de cumprir medidas de segurança, mas não recebem os devidos cuidados em saúde mental, o que impossibilita a completa reintegração social e sentencia o indivíduo à marginalização.
Nesse contexto, o objetivo deste ensaio foi propor princípios para definir uma Política Territorial de Reabilitação Psicossocial como alternativa aos manicômios judiciários brasileiros.
Para tanto, analisou-se a formação da política territorial em saúde mental como proposta eficaz para assistência em saúde no contexto brasileiro, tecendo críticas ao modelo vigente para acompanhamento de medidas de segurança.
Também se evidenciaram as contradições relativas ao processo de diagnóstico e acompanhamento em saúde mental na proposta não territorial. Assim, estabelecidos os pontos críticos do modelo excludente vigente, propôs-se uma política alternativa, cuja fundamentação territorial insere o cumprimento das medidas de segurança no contexto das políticas públicas de assistência social e saúde mental, tendo como finalidade a reabilitação integral do sujeito, tal como preconizado pela Lei nº 10.216/2001.
4) A saúde mental da população indígena:
O subsistema de saúde indígena era, até 2010, gerido pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). Contudo, a partir de uma demanda do movimento indígena, desde essa data, a gestão da saúde indígena passou às mãos de uma secretaria específica, vinculada diretamente ao Ministério da Saúde, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).
Na SESAI há uma área técnica de saúde mental, a qual foi constituída por uma equipe de profissionais, entre eles, psicólogos, assistentes sociais, antropólogos e outros. Essa interdisciplinaridade ocorre tanto na sede quanto nos DSEIs, os quais planejam ações em saúde mental.
Diversas frentes, baseadas em variadas metodologias, são elaboradas, de acordo com o contexto e a urgência de cada demanda. Levando em consideração a complexidade inerente ao tema, as práticas institucionais da SESAI em saúde mental ainda estão em gradativa e constante construção.
O tema saúde das populações indígenas, incluindo o subtema da saúde mental, passou a ter o olhar mais atento do Estado no fim da década de 1990, quando questões como o uso excessivo de álcool e substâncias psicoativas, bem como grande número de mortes por suicídio ganharam visibilidade por meio da mídia e pesquisas acadêmicas.
Mas só em 2007 entrou em vigor a Portaria nº 2759 (Ministério da Saúde, 2007), a qual estabelece diretrizes gerais para a Política de Atenção Integral à Saúde Mental das Populações Indígenas.
5) Saúde Mental da população LGBTQIA+:
A sociedade estabelece, segundo Goffman (2004), os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias.
Refere ainda que a estigmatização pode ser vista como uma forma de classificação social pela qual um grupo – ou indivíduo – identifica outro segundo certos atributos seletivamente reconhecidos pelo sujeito classificante como negativos ou desabonadores.
Além do crescimento da violência descrita anteriormente, o impacto do estigma e da discriminação sofridos por essa população, principalmente pelas pessoas trans, ainda é um outro grande problema que produz impactos na saúde mental.
De acordo com o documento do Ministério da Saúde sobre a Política Nacional de Saúde Integral de LGBT (2013), a discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero incide no processo de sofrimento e adoecimento decorrente do preconceito e do estigma social.
6) Identidades em crise: imigrantes e saúde mental:
A ideia de que a emigração esteja indissoluvelmente ligada a formas específicas de sofrimento psicológico acabou para promover uma progressiva medicalização da experiência migratória.
É comum na sociedade patologizar a experiência migratória funda as suas conclusões sobre o modelo de "selecção negativa", isto é: seriam os sujeitos fracos, pouco integrados na sociedade de origem, com escassas ligações afectivas e estrutura familiar instável a optar pela emigração, levando a que os seus distúrbios latentes se manifestassem particularmente no país de acolhimento.
A representação da vulnerabilidade psicológica como característica intrínseca dos migrantes não toma todavia em conta a relação mais ampla entre sofrimento individual e experiência de exclusão, marginalização social, discriminação e precariedade das condições habitacionais e laborais, entre outros factores.
Referências:
Carla Aparecida Arena Ventura, Saúde mental e vulnerabilidade: desafios e potencialidades na utilização do referencial dos direitos humanos. https://bit.ly/2DG7aqH
PUSSETTI, Chiara. Identidades em crise: imigrantes, emoções e saúde mental em Portugal.
Marianna Queiróz Batista e Valeska Zanello: Saúde mental em contextos indígenas: Escassez de pesquisas brasileiras, invisibilidade das diferenças.
O impacto do racismo na saúde mental da população negra. https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/01/26/O-impacto-do-racismo-na-sa%C3%BAde-mental-da-popula%C3%A7%C3%A3o-negra